Mãe que perdeu filha após falhas de atendimento luta por progresso na segurança de pacientes: 'Em silêncio e pacífica, ela fez uma revolução'

  • 13/10/2025
(Foto: Reprodução)
Mãe que perdeu filha após falhas de atendimento luta por progresso do pacientente Em uma segunda-feira ensolarada de 2022, enquanto sepultava a filha, Roberta Lopes Guizzo percebeu que precisava ressignificar o que havia vivido. A despedida acontecia após um ano e 13 dias de convivência da família com Isabel, que nasceu em um parto domiciliar não planejado. Após o nascimento, o choro da bebê não foi ouvido, e a mãe notou que a filha estava fria. Isabel nasceu com evidências de sofrimento fetal – quando há diminuição ou perda da oxigenação e de nutrientes para o bebê. Até aquele momento, Roberta não sabia que tinha uma gravidez considerada de alto risco, por ter desenvolvido um quadro de diabetes gestacional. Tanto a vida de Isabel quanto a da mãe estavam em risco. ✅ Siga o canal do g1 Paraná no WhatsApp Por conta das complicações no parto, Isabel teve uma paralisia cerebral, o que deu início a uma jornada de idas e vindas à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Agora, a história de mãe e filha é contada para lançar luz sobre um problema coletivo: a segurança dos pacientes. "Isabel, que foi um bebê que viveu 1 ano e 13 dias com muita dignidade, teve uma presença muito forte para nós. Em silêncio e pacífica, ela fez uma revolução. Então, qual é o legado que a gente quer deixar? Por que a gente levanta todos os dias? A gente precisa fazer escolhas. E são essas escolhas que vão falar sobre nós", diz Roberta. História de Roberta e Isabel lança luz sobre a discussão de protocolos que garantam a segurança do paciente Arquivo Familiar Em 2024, 18.476 crianças com menos de um ano morreram por causas evitáveis no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Dessas mortes, 870 aconteceram no Paraná. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), causas evitáveis são eventos adversos que resultam de falhas na assistência de saúde que poderiam ter sido prevenidas. Entre eles, estão erros de medicação, erros cirúrgicos, erros de diagnóstico, quedas de pacientes e infecções, por exemplo. Mudanças necessárias Isabel viveu um ano e 13 dias Arquivo Familiar A partir do relato de Roberta, que aponta uma trajetória permeada por falhas de comunicação, protocolos médicos não cumpridos adequadamente e situações que demonstram a fragilidade da segurança em saúde neonatal no Brasil, o Instituto Brasileiro de Direito do Paciente (IBDPAC), em parceria com a associação curitibana Dando Voz ao Coração, publicou um relatório com 24 recomendações para a promoção da segurança dos pacientes e a redução dos eventos adversos e danos evitáveis. "A nossa pauta é muito mais na construção conjunta do que ficar apontando erro ou denunciando ou acusando alguém. Vamos fazer parte da solução e vamos tentar mapear o que se pode melhorar, investindo nas pessoas", afirma Fernanda Góss Braga, presidente da associação Dando Voz ao Coração. Entre os apontamentos, o Relatório Isabel destaca a importância da comunicação adequada entre equipe de saúde e familiares, com a recomendação do uso de uma linguagem acessível para que a família compreenda as informações técnicas fornecidas. Para Roberta, esse direito foi violado durante o atendimento que recebeu. O diabetes gestacional pode levar a um crescimento fetal acelerado, o que pode exigir um nascimento precoce ou por cesariana. Para ela, não saber disso a impediu de fazer as perguntas necessárias, e aumentou o sentimento de culpa. "Eu fui entender o que estava acontecendo conosco conforme foram me fazendo perguntas na instituição [de saúde]. Eu fui entendendo que estava muito claro para todo mundo que ela tinha que ter nascido antes, que ela era muito grande. Uma vez me chamou a atenção uma técnica de enfermagem que disse assim: 'Você teve diabetes?'. Daí eu falei: 'Tive, como é que você sabe?'. Ela disse: 'É só ver o tamanho do seu neném'. E eu disse: 'Gente, todo mundo sabia, menos eu'", lembra Roberta. "Aceitar que poderia ter sido evitado, que a equipe sabia, foi também uma grande dor. Porque eu confiei a minha vida e a vida dela. Agora, quando a gente trabalha nessa prevenção, a gente contribui para esse processo também: para que a mulher não seja a última a saber, para que a conta não seja paga pelo neném", defende Roberta. O problema de comunicação não está apenas entre os profissionais da saúde e o paciente. Kalline Eler, diretora do IBDPAC, aponta também para a lacuna entre as próprias equipes médicas. "A gente tem muita dissonância entre as equipes de saúde, elas são pouco coordenadas". Ela também cita problemas de liderança e protocolos desatualizados. "É multifatorial", pontua. O Relatório Isabel aponta ainda a importância de equipes multidisciplinares 24h, protocolos obrigatórios, entre outros aspectos. Em relação ao cuidado materno e neonatal seguro, Eler defende uma revolução na forma como os recém-nascidos são vistos. "O bebezinho é muito tratado como um objeto do cuidado. Então o profissional manipula aquele bebê, às vezes, sem olhar para ele como um sujeito que tem direitos próprios. O neonato é um sujeito de direito e ele é um sujeito do cuidado. Ele não pode ser tratado como um objeto do cuidado. O direito mais importante que o neonato tem é o direito ao cuidado seguro", afirma. LEIA MAIS SOBRE SAÚDE: Decisão: Justiça autoriza transfusão de sangue em bebê após pais recusarem procedimento por motivos religiosos Ciência: Menina com paralisia facial passa por técnica inovadora para transplante de nervo Tecnologia: Mulher descobre tuberculose com ajuda de aplicativo de celular Problema sistêmico Os casos chamados de "eventos adversos" na saúde causam danos ou até a morte do paciente, mas poderiam ser evitados. São situações em que, além da doença, a pessoa sofre em decorrência da gestão médica durante o tratamento. "Sem falar naqueles pacientes que não morrem, mas que ficam com sequelas graves ou que têm uma sequela permanente", acrescenta a presidente da Dando Voz ao Coração. Segundo a Aliança Global pela Segurança do Paciente, iniciativa da OMS, a responsabilidade pelos eventos adversos está "em deficiências no desenho, organização e operação do sistema [de saúde], em vez de em prestadores individuais ou produtos individuais". Para Kalline Eler, há uma diferença importante entre "erro médico" e "evento adverso". Ela defende que culpar um indivíduo ou prática específica não ajuda a evitar que situações parecidas continuem acontecendo no sistema de saúde. "Quando você fala de ‘erro médico’, você está dizendo que uma pessoa errou. E o evento adverso em saúde não é individual, não é pontual, ele é sistêmico", aponta. Em 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deixou de usar o termo "erro médico" e passou a descrevê-los como "danos materiais e/ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde". Expressão 'erro médico' é equivocada, aponta especialista em Direito do Paciente Aprendizado Cuidados com Isabel envolveram toda a família Arquivo Familiar O Relatório Isabel indica a importância de mudanças não só dentro dos hospitais, mas em todos os espaços ligados à questão. "A gente precisa usar erros ou atitudes que não são adequadas como aprendizado para que aquilo não se repita, para que outras famílias não passem por isso. Nossa pauta é na construção conjunta", pontua Fernanda Góss. O objetivo dos envolvidos é que o Relatório Isabel tenha impacto na vida das pessoas e ajude a rever a importância dos protocolos que garantem a segurança dos pacientes. No Sistema de Saúde Público do Reino Unido (NHS), o Relatório Martha Mills resultou na "regra de Martha", que obriga os hospitais a adotarem sistemas de equipe de respostas rápidas para segunda opinião. Dessa forma, pacientes e familiares podem pedir uma avaliação rápida de uma equipe se tiverem preocupações sobre a deterioração da condição de um paciente. No Brasil, para além das ações do governo, Kalline defende a formação acadêmica dos profissionais da saúde com maior ênfase na segurança do paciente. "Um dos nossos objetivos é que esse relatório passe a ser usado nos cursos de graduação", conta. "Quando a gente fala em segurança do paciente, se a gente olhar só os pacientes e familiares, a gente também não está sendo justo. A gente tem que olhar também para os profissionais de saúde, porque é um sistema muito, muito complexo", ressalva Fernanda Góss. A discussão, que traz o paciente como central para a questão do cuidado, representa uma nova forma de observar a saúde. "Não tem como você humanizar o cuidado sem a abordagem dos direitos humanos do paciente. É uma forma revolucionária de ver o paciente e chamar ele para o centro. Ele é o protagonista do seu cuidado e ele tem que ser visto assim", defende Eler. Bons frutos O trabalho desenvolvido por Roberta, junto com a associação Dando Voz ao Coração, já demonstra impactos no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a segurança dos pacientes. No Paraná, uma lei aprovada em abril de 2025 garante que a carteira de pré-natal de gestantes de alto risco seja identificada, a fim de garantir a prioridade no atendimento em instituições de saúde públicas e privadas. "São sentimentos conflituosos, mas o que fica mais é o de satisfação, em saber que não foi em vão tudo o que Isabel viveu. Eu tenho procurado fazer essa caminhada de uma maneira amorosa. Isabel deixou muito amor. É como fazer esse movimento honrando a Isabel sem que fosse um movimento violento, já que ela sofreu tantas violências, mesmo que muitas vezes violências silenciosas", avalia Roberta. Um dos focos do grupo agora é a instituição do Estatuto dos Direitos dos Pacientes. A proposta foi apresentada como Projeto de Lei por deputados federais em 2016. Em 2022, chegou ao Senado. Desde abril de 2025, a proposta está represada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, aguardando emissão de relatório pelo senador Humberto Costa (PT). Não há previsão de quando a tramitação deve avançar. Desde 2013, o Brasil tem o Programa Nacional de Segurança do Paciente, que propõe um conjunto de medidas para prevenir e reduzir a ocorrência de incidentes nos serviços de saúde. Porém, para a diretora do IBDPAC, as medidas previstas ainda precisam avançar muito. "Não se tem aqui no Brasil a ideia de que a segurança do paciente é um direito", diz. Outras ações No Paraná, o trabalho do IBDPAC e da associação Dando Voz ao Coração é somado a outros esforços. Em 2022, a Lei nº 16.068/2022 instituiu em Curitiba um "sistema de proteção, respeito e cuidado" às mães de bebês que nasceram mortos. As maternidades, públicas e privadas, devem ter alas separadas para essas mães, além de garantir direito a acompanhante e apoio psicológico. Em 2013, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou os Núcleos de Segurança do Paciente (NSPs), como parte do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), instituído no mesmo ano. Quase uma década mais tarde, em 2021, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) do Paraná publicou uma resolução com as Diretrizes Estaduais de Segurança do Paciente. O governo estadual tem, atualmente, 412 hospitais com NSPs, além de 234 núcleos municipais. As ações funcionam em unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e consórcios de saúde. *Com colaboração de Rodrigo Matana, estagiário do g1, supervisionado por Mariah Colombo e Douglas Maia. VÍDEOS: Mais assistidos do g1 Paraná notícias no g1 Paraná.

FONTE: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2025/10/13/mae-que-perdeu-filha-apos-falhas-de-atendimento-luta-por-progresso-na-seguranca-de-pacientes-em-silencio-e-pacifica-ela-fez-uma-revolucao.ghtml


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